O Cacau e a floresta: tradição, inovação e a força que brota da cabruca baiana

Conheça a Simplicitude, uma startup de biotecnologia que alia pesquisa, sensorialidade e inovação

No sul da Bahia, o cacau não é apenas fruto. É herança, é floresta, é resistência. É também presente e, sobretudo, futuro. Mais do que uma matéria-prima de exportação, o cacau é símbolo vivo e presente de uma história ancestral que atravessa gerações e encontra, nos dias de hoje, novas formas de florescer.

Depois de décadas de uma produção voltada quase exclusivamente à exportação de amêndoas, a cadeia do cacau na Bahia começa a viver uma grande transformação – cultural, econômica e social. Hoje, agricultores e agricultoras familiares estão assumindo o protagonismo em um novo modelo: aquele que valoriza o cacau de origem, agrega identidade às marcas, explora o sensorial do chocolate e conserva a floresta em pé através do sistema cabruca, um modelo agroflorestal único no mundo.

E quem me contou isso foi a sócia da Sheu, a Maria Izabel, empreendedora à frente da Simplicitude, startup que vou apresentar daqui a pouquinho!

Uma nova geração de cacauicultores

De acordo com dados recentes da CAR (Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional da Bahia), mais de 80% dos produtores de cacau no estado são agricultores familiares. E foram eles os grandes responsáveis pela retomada da liderança da Bahia como maior produtora nacional de cacau em 2023, com 139 mil toneladas colhidas.

Essa conquista veio acompanhada de investimentos superiores a R$ 100 milhões em iniciativas de valorização da agricultura familiar e de programas que ampliam a renda e a qualidade da produção.

Entre os diferenciais, destaca-se o movimento de valorização do cacau fino e o surgimento de chocolates bean to bar (do grão à barra), que conquistam prêmios internacionais e ajudam a contar a história do território nas embalagens. A Bahia, aliás, concentra 70% da produção nacional de cacau de qualidade, e o reconhecimento internacional da sua singularidade sensorial tem aumentado ano após ano.

A história da Sheu e da Simplicitude

Um exemplo que traduz toda a potência dessa virada de chave é a história de Sheylla Tomás, a Sheu, fundadora da Simplicitude — uma marca de chocolates e alimentos plant-based que nasce da memória e cresce com inovação.

Bisneta de cacauicultores da região de Coaraci, no sul baiano, Sheu cresceu cercada pelas histórias, cheiros e rituais do cacau. Há cerca de 8 anos, ao mergulhar no design de produtos (ela mesma desenhou a marca, o layout das embalagens dos chocolates e o conceito dos produtos), começou a ver o cacau não só como tradição familiar, mas como transformação de futuro. Foi nesse momento que o território e o propósito se encontraram.

A Simplicitude é fruto dessa fusão: combina o saber ancestral da cabruca com tecnologias de alimentos e práticas sustentáveis. Hoje, com uma fábrica de 70m² estruturada com apoio do Sindicato Rural e capacidade de processar 1,1 tonelada de cacau por mês, a Simplicitude atua como uma startup de biotecnologia, aliando pesquisa, sensorialidade e inovação.

Seus produtos exploram o potencial dos ingredientes da sociobiodiversidade baiana, como jenipapo, cupuaçu, manga e coco — muitos deles desidratados com técnicas desenvolvidas em colaboração com instituições de ensino. É a ciência expandindo o sabor da floresta.

A floresta que alimenta

O cacau da Simplicitude é cultivado sob as copas da Mata Atlântica, no sistema cabruca. Trata-se de um método desenvolvido há quase 300 anos na Bahia, em que o cacau cresce à sombra de árvores nativas, mantendo a floresta viva. Sheu redescobriu a potência desse modelo e o transformou no centro do seu negócio.

O sistema agroflorestal cabruca, além de preservar a biodiversidade, contribui com a captação e estoque de carbono (até 66 toneladas por hectare), a conservação dos recursos hídricos, a manutenção da qualidade do solo e a criação de corredores ecológicos. É um tipo de agricultura que trabalha junto com a natureza, e não contra ela.

Embora historicamente tratada como monocultura, a cabruca carrega um potencial polivalente. O desafio está em converter essa biodiversidade em produtos, renda e valor simbólico. E é exatamente isso que marcas como a Simplicitude têm feito: ressignificando a floresta em pé como ativo econômico, ecológico e cultural.

Da ancestralidade à inovação

Em 2023, a Simplicitude foi acelerada por quatro importantes programas: BNDES Garagem, Inovativa, Vibra Mulheres Empreendedoras e Vumbora Startups. A trajetória de Sheu ganhou ainda mais potência com a formação em Gestão da Inovação no MIT e a atual pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos com foco em cacau e chocolate, no IF Baiano. A parceria com o Instituto tem gerado pesquisas como a desidratação de frutas para chocolates funcionais e o desenvolvimento de novos produtos com ingredientes da cabruca.

A pesquisa científica, aliada à inovação de base, tem sido fundamental para abrir novos caminhos para o cacau no século XXI. As práticas de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) aplicadas à produção de chocolates sensoriais, fermentação controlada das amêndoas, microbiologia dos ingredientes e desenvolvimento de novos formatos (como snacks saudáveis) revelam que a floresta também é laboratório.

Com apoio da Poliniza Projetos, a Simplicitude participou de um edital da Nestlé em parceria com o Senai, com um projeto que visa estruturar a cadeira produtiva, mensurar impactos, avançar na área de P&D, expandir o portfólio e testar novos ingredientes sensoriais.

É o futuro que se constrói com raízes fincadas no passado e olhos atentos para as oportunidades do presente!

[ Falando em oportunidades de captação de recurso, a Seama e a Fapes do Espírito Santo, lançaram o Edital NISA de fomento aos NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIOAMBIENTAL – COBERTURA FLORESTAL E ECONOMIA AZUL:

  • Serão apoiados até 28 projetos
  • Subvenção de até R$ 200 mil + R$50 mil (para trilha de aceleração) para negócios com CNPJ no Espírito Santo.
  • O recurso será direcionado para projetos que contribuam para a manutenção, recuperação e ampliação da cobertura florestal da Mata Atlântica no Espírito Santo e o economia azul, favorecendo o uso sustentável dos recursos naturais e gerando impactos positivos e duradouros para o desenvolvimento social e econômico dos territórios, especialmente aqueles ocupados por povos e comunidades tradicionais.

>Se quiser saber mais, entra em contato com a gente na Poliniza!]

Ciência, tecnologia e território

O que estamos vendo na Bahia é a prova viva de que territórios se transformam com ciência e inovação enraizadas na cultura local. As parcerias com instituições de ensino, o acesso a formações especializadas, os programas de aceleração e a construção de redes de colaboração estão permitindo que pequenos negócios como a Simplicitude se tornem referência em biotecnologia aplicada à agroindústria — tudo isso sem abrir mão da identidade, do afeto e da floresta.

Um novo capítulo para o cacau da Bahia

A história do cacau baiano passa agora por uma ressignificação extensa. A lógica da monocultura exportadora dá lugar a uma economia criativa de base territorial, com sabores, cores, texturas e narrativas próprias.

Do sistema cabruca ao chocolate de origem, da agrofloresta ao design sensorial, o cacau que alimenta o mundo também alimenta sonhos, comunidades e florestas inteiras.

E talvez esse seja o maior presente do cacau: lembrar que a inovação mais potente é aquela que brota da terra, com afeto, cuidado e coragem de imaginar outro futuro.

Respostas de 4

  1. Matéria sensacional. Adorei saber mais sobre essa inovação na história da cultura do cacau baiano. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

  2. Que maravilha aprender sobre isso! Obrigada por compartilhar e parabéns pelo conteúdo de valor. Sua experiência é uma inspiração!

  3. Muito interessante!! Alternativas pra um futuro possível, e contando com a ajuda da Poliniza pra criar asas!

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