Com um vestido de algodão colorido da Paraíba, representei a ciência e a história do Nordeste no MOBI 2025 em Sorocaba

Foi andando pelas ruas chuvosas e quentes de João Pessoa, capital da Paraíba, que ele me convidou. Estava em uma arara em meio a muitos outros, mas parecia me tirar pra dançar forró. É um vestido marrom e bege, de caimento leve, com textura terrosa. 

Quando o experimentei, me veio o pensamento: “é EXATAMENTE isso que eu buscava para representar o nordeste em meu próximo destino!!!!!!!!”

Eu já estava há quase três meses andando pelos territórios dessa região incrível, que está cada vez mais valorizada em nosso país. O movimento migratório, inclusive, tem direcionado muitas pessoas que estão voltando ou escolhendo o nordeste para viver. João Pessoa, capital da Paraíba, carinhosamente chamada de Jampa, é um bom exemplo disso.

Poucos dias antes, a Renata Tavares, minha anfitriã no Airbnb em João Pessoa (que, inclusive tem um apartamento delicioso pertinho da Praia do Bessa), havia me contado com brilho nos olhos, sobre o algodão colorido da Paraíba. Eu não conhecia nem de ouvir falar. Ela me disse que era produzido sem precisar de corantes ou químicos para o tingimento. Que esse algodão era fruto de uma atividade econômica antiga, de produção e exportação do algodão, mas com uma tecnologia nova agregada. Fiquei bem curiosa.

E ali diante do espelho, conversando com o atendente maravilhoso que me recebeu na loja,  me dei conta de que o vestido era feito daquele algodão. E era com ele que eu viajaria para o interior de São Paulo, a convite da empreendedora e Profa. Dra. Renata Lima,  para falar sobre ecossistema de inovação e para representar o meu momento de imersão no Nordeste no evento MOBI 2025, da Universidade de Sorocaba.

Era exatamente isso que eu queria: me vestir de algo maior do que o vestido em si. Me vesti da história de um lugar, de tradição, da ancestralidade de muitas mulheres atuantes na agricultura familiar, de economia, de ciência, de pesquisa, de tecnologia, de inovação de baixo (alto!) impacto e de transformação.

A ciência que floresceu no sertão

O algodão colorido existe na natureza há anos. Segundo a Embrapa, ele é tão antigo quanto o algodão branco, e muitas de suas espécies nativas já foram encontradas em escavações no no Paquistão e no Peru, há mais de 4.500 anos.Mas o algodão da Paraíba é resultado de mais de duas décadas de pesquisa da Embrapa, que cruzou variedades locais com materiais genéticos de acervos nacionais e internacionais para desenvolver, desde os anos 2000, cultivares de cores naturais nas cores marrom, verde, rubi, safira, jade com alta qualidade industrial.

No início da pesquisa, a equipe de pesquisadores da Embrapa colheu vários tipos de sementes de plantas selvagens de algodão colorido,  encontradas no interior do Nordeste do Brasil, para trabalhar no melhoramento genético delas. 

As sementes de espécies de plantas estrangeiras também foram usadas para formar o que chamamos de “Banco de Germoplasma”, um banco de sementes. Germoplasma é uma reserva de sementes, que garante a continuação dos trabalhos de pesquisa ao longo dos anos. E esse banco está na Embrapa Algodão, que fica em Campina Grande.

A tecnologia permite que o algodão já nasça já com cor, dispensando o processo de tingimento, um dos maiores vilões ambientais da indústria têxtil, como sabemos. Ao evitar o uso de corantes, esse algodão economiza uma imensa quantidade de água fervente utilizada nas grandes caldeiras onde os fios do algodão são cozidos, e com isso elimina a liberação de resíduos tóxicos e reduz a pegada de carbono. 

Além disso, ele é cultivado sob práticas agroecológicas no semiárido paraibano: sem agrotóxicos, em consórcios com milho e feijão, usando biofertilizantes e controle biológico de pragas. Isso significa que no sistema agroecológico, o agricultor explora os recursos existentes em sua área, e deixa de usar produtos químicos industrializados, tais como adubos, inseticidas, herbicidas e fungicidas, que podem poluir o solo e a água. Com isso, ele não precisa comprar nem se preocupar com o preço, o transporte, a armazenagem e os cuidados exigidos por esses produtos químicos, que, além do mais, são perigosos e prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Um estudo da Embrapa identificou um índice de sustentabilidade geral de 62,5% nessa cadeia produtiva que é um número que traduz o impacto social, ambiental e econômico real.

Vestir e lembrar

Alguns dias depois do retorno do evento MOBI ao nordeste, fui ao Museu de Arte e Ciência de Campina Grande, quando estive nessa outra cidade incrível (que me surpreendeu demais por vários motivos) para viver o Maior São João do Mundo, e por coincidência havia justamente uma exposição interativa e super tecnológica sobre o que? O algodão colorido!

Confesso que amo esses acasos e com alguma frequência poética, eles ocorrem em minha vida e eu os acolho e vivo-os com muita alegria.


Entendi ainda mais de perto como a história do algodão é tecida com a do povo. Uma historiadora jovem e muito competente, a Suenia Freitas, me guiou por salas que falavam de trabalho, da terra, de mulheres, cadeia produtiva e reinvenção. Confirmei, mais uma vez, o protagonismo feminino na produção do algodão colorido.

Naquela visita, o vestido se consolidou ainda mais como um símbolo pra mim: se tornou um elo entre passado e futuro. Quase um manto sagrado que simboliza a ciência e o afeto nos mesmos metros quadrados.

O que levamos quando nos vestimos

Levar esse vestido para o MOBI 2025 foi mais do que uma maravilhosa escolha estética. Foi uma escolha sinestésica e profundamente afetiva. Foi como levar a Paraíba comigo e toda sua sagacidade, sua ancestralidade, sua capacidade de inovar a partir das raízes.

Em um evento sobre empreendedorismo e inovação, eu levei o corpo carregado de história, de gente, de evolução, de impacto. É algo como o que faz Ronaldo Fraga em suas sagas criativas que valoriza tanto a cultura do nosso país. Inclusive, encontrei essa matéria que conta como ele contribuiu para que o algodão colorido subisse na passarela dos principais eventos mundiais da moda nos anos 2000.

E lembrei a mim mesma, e talvez a quem me viu, que vestir é também comunicar muitas coisas! E que podemos escolher vestir o que respeita, o que preserva, o que é sustentável.

Dedico este texto ao meu querido amigo Denis Fraga: professor do CEFET, doutor em tecnologia ambiental, escritor, pesquisador, design, criativo, um artista lindo, nato e essencial, com quem tive a honra de trabalhar, super em parceria, nos tempos idos em que fui estagiária (!) no Senai Polo da Moda em Divinópolis.

Respostas de 4

  1. Na tua escrita a gente percebe que você veio de coração aberto para receber essas novas experiências e realmente vivenciar uma outra cultura. O algodão teve um papel muito importante na história da Paraíba e recentemente vem aos poucos retomando um lugar de destaque na economia novamente. Em uma outra oportunidade vamos visitar uma plantação e ver os processos de produção hahah Abraço!

    1. Verdade, Diego! Corpo, alma e coração. Essa descoberta tornou a minha jornada na Paraíba muito mais significativa. Tenha a certeza de que vamos visitar a plantação em meu retorno a essa terra linda! Obrigada pela acolhida sempre afetiva. Grande abraço, querido! 🙂

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