Do dragão-fábrica ao laboratório de negócios inovadores: lições da China para nossos ecossistemas e seus habitats

Quem acompanha o podcast Market Makers talvez tenha se surpreendido, como eu, com os números trazidos por Ricardo Geromel no episódio #232. Em 2023, a China destinou mais de ¥ 3,3 trilhões (≈ US$ 460 bi) para pesquisa e desenvolvimento, o que representa 2,6 % do PIB, um avanço de 8% em doze meses. 

O país não acompanha somente o Produto Interno Bruto (PIB), mede também patentes concedidas e participação global em mercados-chave. Para manter o motor ligado, as universidades projetam 77 000 novos PhDs em STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) por ano até 2025, quase o dobro da produção norte-americana.   Conhecimento virou a matéria-prima do dragão asiático.

Shenzhen, o território da prototipagem

Nada disso ficaria tão visível sem o “laboratório vivo” que é a cidade de Shenzhen, uma das maiores da China. Ali, um inventor sai de uma cafeteria, cruza a rua rumo a Huaqiangbei, o maior mercado de eletrônicos do planeta, e volta com todos os componentes para montar um MVP. 

Graças a essa cadeia de suprimentos “porta a porta”, a jornada ideia ao produto leva menos de seis meses, contra dois anos em boa parte do Ocidente. Aceleradoras como a HAX apoiam muito o ecossistema: oferecem residência de seis meses, laboratório, engenharia e recurso financeiro inicial em pleno distrito industrial. Foi nesse ambiente que surgiram empresas como DJI, Tencent e BYD.

Quando o mapa geopolítico se mexe

O embate tarifário entre Washington e Pequim não é um mero ruído, pois ele reorganiza cadeias globais de valor. Empresas procuram bases “neutras” onde possam prototipar e escalar sem travas logísticas ou políticas.

A pergunta inevitável: podemos oferecer essa plataforma a partir do Brasil? Sim, podemos e devemos aproveitar as oportunidades que estão surgindo e toda a estrutura que já temos. Brasil já é um dos países que mais publicam artigos científicos no mundo. A nossa lacuna está justamente na viabilização da transferência da tecnologia.

Cases nacionais

Instituto Caldeira em Porto Alegre (RS)

Em um prédio de 1920, antiga fábrica da Renner, nasceu um hub de 22 mil m² que conecta grandes empresas, startups, universidades e poder público, chamado Instituto Caldeira. Já são mais de 450 membros circulando por seus corredores. Um estudo da UFRGS aponta relação direta com aproximadamente 15% do PIB gaúcho. 

SENAI Cimatec em Salvador (BA)

Enquanto o Caldeira estimula a indústria a falar com a nova economia, o SENAI Cimatec aposta em P&D pesado: lá está instalado o supercomputador Ogbon,com capacidade de 1,6 PFlops, o terceiro mais potente do país, utilizado de modelagem molecular a carros autônomos. O campus também abriga linhas-piloto de baterias, hidrogênio verde e satélites de órbita baixa.

Ambos os exemplos mostram que, quando juntamos talento acadêmico + ambiente de baixa burocracia + demanda corporativa, começamos a entrar no radar de quem busca rotas fora da Ásia.

Tive a oportunidade de conhecer ambas iniciativas de perto, que além de dinamizar a economia, a competitividade do país, ainda transforma o entorno.

Quatro aprendizagens que ficam das vivências de Geromel na China

  1. Acompanhar somente o PIB não resolve; importante acompanhar as transferências de tecnologia, spin-offs universitários e patentes viáveis.
  2. Universidades, empresas e governo precisam compartilhar objetivos e metas comuns, não somente estabelecer convênios ou conveniências.
  3. Cada quilômetro entre laboratório, fábrica-piloto e investidor reduz muitas semanas (e custos) ao ciclo de inovação.
  4. O dragão chinês ganhou fôlego porque combinou metas de longo prazo com tolerância ao risco nos primeiros testes. Vale a pena conhecer as características desse país tão diferente do nosso e ao mesmo tempo, é o nosso principal parceiro comercial desde 2009.

E agora?

Se quisermos acelerar nossa própria corrida, vale visitar esses habitats, agendar um tour, ou mesmo propor projetos de prova de conceito em parceria com hubs como Caldeira e Cimatec entre tantos outros que existem pelo país. 

Quem sabe com os aprendizados compartilhados pelo Geromel, o “rabisco no guardanapo” brasileiro também vire produto global em menos tempo?

Leituras & referências extras:

  • Série de três vídeos no meu instagram, onde compartilhei esses aprendizados

Compartilha as suas percepções comigo!

Podemos pensar em novos projetos, conexões com atores e até apoiar a captação de recursos públicos de fomento para acelerar o processo de transformação das inovações em produtos que gerem valor para a sociedade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *