Outro dia, passei pela rua mais bonita e arborizada de Salvador: a Avenida Sete de Setembro, mais conhecida como “Corredor da Vitória”. Prédios gigantes em meio a casarões preservados e sobrados abandonados. Estava caminhando e reparando em tudo – movimento comum de quem vem de outros lugares e observa bem mais o entorno.
Reparei também que as pessoas passavam pra lá e pra cá sem, sem se darem conta daquilo tudo que eu estava encantada. Então vi o imponente Museu de Arte da Bahia e logo pensei: “Será que as pessoas visitam o Museu? Parece não se darem conta de que ele está ali” e resolvi voltar para visitar.
À tarde estava eu entrando no museu mais antigo do estado: o Museu de Arte da Bahia. Um lugar silencioso, belíssimo – e pouco habitado.

Museu de Arte da Bahia
No primeiro andar, uma exposição me pegou de surpresa!. Ela trazia os resultados de uma pesquisa feita com pessoas que trabalham no entorno e passam todos os dias pelas ruas ao redor do museu: seguranças, vendedores ambulantes, funcionárias da limpeza, entregadores, zeladores entre outros. Foram 150 pessoas entrevistadas.
A maior parte deles nunca havia entrado no museu. Nunca se sentiu convidada. Nunca viu sentido em atravessar aquela porta entalhada e gigantesca (uma das maiores e mais imponentes que vi até hoje).

Os participantes da pesquisa, selecionados para conhecer o Museu
A pesquisa nasceu com uma proposta interessante: ouvir essas pessoas e trazê-las para dentro. Convidá-las a viver oficinas, experiências, conversas. E, mais do que isso, entender o que torna um espaço — em tese público — tão pouco acessível em prática. Inclusive é um projeto realizado pelas Leis de Incentivo à Cultura.
E foi ali, naquele silêncio absoluto, que eu vi uma cena que conheço bem: a dos habitats de inovação.
Aqueles prédios quase sempre de vidro colorido, com nomes em inglês, eventos legais e cafés… e quase sempre vazios e com um certo distanciamento da cidade. Muita gente passa na frente e pensa:
“isso não é pra mim.”
“nem sei o que fazem aí dentro.”
“parece bonito, mas não entendo.”
E aí me caiu a ficha: museus e habitats de inovação (que vou explicar o conceito mais detalhadamente em outro post) compartilham um desafio comum – o de pertencer verdadeiramente ao território que os abriga.
No dia em que fui visitar o Hub Salvador, perguntei ao motorista do app: “você já foi ao hub, sabe como funciona?”. E ele me respondeu: “Não, acheu que fosse um Museu”.

O habutat de inovação Hub Salvador
Ambos foram criados para gerar valor coletivo, mas muitas vezes não se comunicam com o cotidiano real das pessoas que vivem ao redor. Seja por linguagem própria, estética, curadoria ou falta de escuta, acabam se tornando espaços onde poucos se reconhecem.

Corredor da Vitória e uma das criaçoes de Josiltom Tonm
Mas, se olharmos com mais cuidado, veremos que há MUITO mais em comum. Gostei bastante de fazer essa analogia:
1. São espaços de curadoria
Museus escolhem o que mostrar do passado, do presente e do futuro. Habitats de inovação escolhem o que habitar olhando para o futuro. Em ambos, há uma narrativa sendo construída: o que merece ser lembrado? O que vale ser investido? O que é “inovador” ou “relevante”?
2. São produtores de identidade e imaginário
Esses lugares não são neutros. Eles contam histórias — e decidem quem faz parte delas. Por isso, precisam refletir: quem está dentro? Quem está fora? Quem nunca foi convidado a entrar? Por que não?
3. Precisam de mediação, escuta e afeto
O museu que ouviu os trabalhadores deu um passo importante. E os habitats, como eles traduzem essas demandas? Eles escutam a cidade? Eles estão dispostos a levar para dentro soluções que colaboram para transformar uma realidade.
Estão prontos para escutar quem passa na rua? Quem acha bonito, mas não entende? Sem pontes, não há pertencimento nem em museus nem em habitats. Sem afeto, não há inovação na prática.
Sempre será sobre escuta ativa e desafios colocados no centro desse processo.
4. Conectam tempos diferentes
Um museu guarda o passado. Um habitat projeta o futuro. Mas os dois acontecem no presente — e precisam estar enraizados no território, no cotidiano, na vida real das pessoas.E se os habitats de inovação fossem nossos museus do futuro?

Exposição do artista Caribé
E se os museus fossem espaços de invenção, encontro e provocação também? Está na hora de rever os porquês e sentidos desses lugares? Museus poderiam receber projetos de inovação, ter um espaço de coworking?
E se entendêssemos que inovar também é lembrar — e preservar também é imaginar o futuro com novas formas dos ambientes serem habitados?
Talvez, estejamos falando da mesma coisa: lugares onde o saber se transforma em vida — desde que as pessoas sejam convidadas e sintam desejo de atravessar esses portais!

Uma resposta
“Sem pontes, não há pertencimento nem em museus nem em habitats. Sem afeto, não há inovação na prática.”
Que reflexão!! 💚