O Brasil invisível aos olhos do capital – e do fomento público também

Outro dia, lendo o artigo de Fábio Alperowitch sobre venture capital, fui atravessada por uma inquietação que já me ocorreu em outros momentos. Ele falava sobre como o capital de risco – que supostamente serve para alimentar rupturas e inovações — segue um playbook padronizado (um manual de boas práticas), homogêneo e elitizado.

E isso me fez pensar se o fomento público também não sofre da mesma miopia?

A resposta, infelizmente, é sim. Tanto o dinheiro privado quanto o recurso público, que deveriam servir à transformação e à reconstrução de futuros possíveis para o nosso país, seguem orbitando sempre os mesmos lugares, as mesmas pessoas, as mesmas estruturas.

Imagem: Portal da Transparência

Quando o dinheiro encontra sempre os mesmos lugares

Segundo dados do IPEA e do Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação do MCTI, mais de 40% dos recursos federais de fomento à inovação vão para o estado de São Paulo. Não por acaso: é onde estão concentradas as maiores universidades, centros de pesquisa e infraestrutura tecnológica. Mas essa concentração acaba criando um círculo vicioso — ou virtuoso, dependendo do ponto de vista — em que quem já tem mais estrutura, continua captando mais.

É como se existisse um “CEP da inovação”. E fora dele, quase nada nasce. Ou pior: floresce à revelia do sistema, com escassez de suporte, reconhecimento e visibilidade.

Mesmo quando falamos de instituições públicas, como universidades e institutos federais, é importante lembrar que o acesso a elas ainda carrega desigualdades estruturais. A maioria dos estudantes de pós-graduação e pesquisadores bolsistas, por exemplo, vem de contextos mais privilegiados. Assim, mesmo o recurso não chega, de fato, a todos.

O capital privado também segue essa lógica

No campo do venture capital, Alperowitch mostra como o investimento em inovação no Brasil privilegia modelos escaláveis, replicáveis e seguros — fintechs, B2B, SaaS. Menos de 2% das startups brasileiras recebem investimento de VC, e essas estão, em sua maioria, nos grandes centros urbanos do Sudeste, voltadas ao topo da pirâmide.

Ou seja, o capital de risco foge do risco real: o das periferias, dos territórios invisibilizados, das soluções que enfrentam as grandes complexidades sociais e ambientais.

Onde estão os resultados que o Brasil precisa?

Paradoxalmente, os maiores retornos — inclusive financeiros — podem estar justamente onde ninguém quer olhar. Alperowitch cita exemplos como a Vivenda (habitação popular), Refinaria de Dados (inteligência periférica) e Simbi (economia circular), que alcançaram MOICs impressionantes em setores considerados “difíceis”. E por que isso acontece? Porque onde há problema crônico, há espaço para inovação sistêmica.

A inovação verdadeira não acontece onde está o lucro fácil, mas onde está o abismo.

E é aí que entra a urgência de se pensar o ecossistema de inovação como campo articulado, não fragmentado.

Inovação não é feita sozinha

Em qualquer território, a força da inovação está nas conexões. São os atores do ecossistema – universidades, governos, empresas, institutos de ciência e tecnologia, sociedade civil, startups, investidores que juntos criam as condições para que a inovação floresça e gere impacto. Mas, se essa rede não se comunica, se os editais não chegam, se os fundos não ouvem, se os laboratórios não dialogam com o mercado, o sistema colapsa em si mesmo.

Quando um município do interior tenta submeter um projeto a um edital nacional sem suporte técnico, quando um coletivo periférico tem uma ideia potente mas não consegue CNPJ, quando uma pesquisa com altíssimo potencial de impacto não vira produto porque não há ponte com o mercado — estamos falando de falhas sistêmicas. Não de falta de talento. Mas de falta de articulação e acesso.

Imagem: Portal da Transparência

O fomento deveria ser o link

Se o venture capital brasileiro ainda não quer correr risco social, que pelo menos o fomento público seja essa possibilidade: Que una. Que articule. Que democratize.

Mas para isso, é preciso sair da lógica de “execução de orçamento” e abraçar a missão de desenvolvimento territorial de um país que precisa ser mais competitivo. Fomento é política pública. E política pública só faz sentido se for para reduzir desigualdades e ampliar horizontes.

Imagine o poder de um ecossistema verdadeiramente distribuído, em que as universidades, ICTs, centros de inovação e outros atores se alinham aos arranjos produtivos locais, os fundos públicos chegam aos biomas, as aceleradoras se voltam para o impacto e os editais valorizam os saberes dos territórios. Isso não é utopia. É estratégia.

Porque o Brasil visível já está sendo atendido

O Brasil que mais precisa de inovação é o que menos a acessa. E isso não é coincidência: é estrutura.

Se o capital ignora onde o país sangra, que pelo menos o fomento cure. E cure em rede. Com escuta, com estratégia, com presença.

Inovar, nesse contexto, é olhar para o Brasi, complexo por natureza, e dizer: “você é prioridade”. E então, criar as condições para que as ações e projetos aconteçam com recurso, com apoio técnico, com conexão, com políticas que façam sentido onde há demanda real e a vida precisa acontecer de verdade.

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